segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Os entendimentos doutrinários acerca da aplicação do princípio in dubio pro societate no rito do júri.






Com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, o processo penal se assentou sobre o princípio basilar do in dúbio pro reo. Isto significa que quando houver dúvida quanto a culpabilidade do réu devido a insuficiência de provas dever-se-á inocentar o réu, confirmando o princípio da presunção de inocência. Entretanto, o in dúbio pro reo não é soberano, sendo que parte da doutrina e jurisprudência aceitam a possibilidade de aplicação  in dúbio pro societate no rito do júri na fase de pronúncia.
Grande parte da doutrina, representada por MIRABETE, CAPEZ e MOUGENOT apóiam a aplicabilidade do favorecimento da sociedade em caso de dúvida quanto a culpabilidade do réu na sentença de pronúncia. Para estes, se “o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento”. O entendimento é de que não é necessária a certeza da culpabilidade, mas mero indício suficiente de autoria. Nas palavras de MIRABETE:

Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípío in dubio pro reu, mas se resolve em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova( in dubio pro societate).

Para esta corrente doutrinária, o mero fato acontecido, suscetível de conduzir ao conhecimento de fato desconhecido é suficiente pra submeter o réu ao julgamento por seus pares. A justificativa disso é a primazia à tutela da segurança pública em detrimento dos direitos e garantias fundamentais do sujeito acusado de ter praticado um crime doloso contra a vida, valendo-se de presunções e dúvidas para formar um juízo de admissibilidade de acusação em desfavor do acusado.
Nesse sentido, afirma Edilson Mougenot Bonfim:
“Assim, nessa decisão, apenas se reconhece a existência de um crime e a presença de suficientes indícios da responsabilidade do réu, apontando-se a direção a ser seguida pela ação penal. Na dúvida, cabe ao juiz pronunciar, encaminhado o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da causa. Nessa fase, vigora a máxima in dúbio pro societate.”

Igualmente, é o entendimento de Fernando Capez:

“Na fase de pronúncia vigora o princípio do in dúbio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de certeza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais apurado para os jurados.”

Em contrapartida, existe outra corrente doutrinária, encabeçada por NUCCI, RANGEL e JOÃO CARVALHO MATOS, que é contrária a aplicação do princípio in dúbio pro societate.  Para estes, o cenário da pronúncia não deve admitir que o juiz se limite a um convencimento íntimo a respeito da existência do crime. Nas palavras de NUCCI:

“ O mínimo que se espera para haver pronúncia, é a prova certa de que o delito aconteceu, devendo o magistrado indicar a fonte de seu convencimento nos elementos colhidos na instrução e presentes nos autos. Caso o magistrado não encontre indício suficiente de autoria – preceitua o art. 409 – deverá impronunciar o réu(...)”.

Destarte, o juiz tem o dever de verificar a admissibilidade da acusação e fundamentá-la através do mínimo suficiente de autoria, a fim de decidir a possibilidade de levar um réu ao Tribunal do Júri ou não. Isto é, o juiz age como um filtro, analisando o que pode e não pode ser avaliado pelos jurados, zelando pelo respeito ao devido processo legal e somente permitindo que siga a julgamento a questão realmente condizente com o Tribunal do Júri. Logo, em face da existência de indícios frágeis, vagos, nebulosos, subjetivos, o caminho é o da impronúncia. Trilhando esse caminho, o então juiz da Comarca de Campinas-SP, José Henrique Rodrigues Torres explicita:

“Não me parece devido nem jurídico invocar, na pronúncia, o provérbio in dubio pro societate. Não se deve admitir nenhum julgamento com base na dúvida. Nenhum. O uso da mencionada expressão é um equívoco, que, infelizmente, tem ocorrido com frequência. Para prolatar a pronúncia , embora a decisão não seja de mérito, mas sim de exame da viabilidade da acusação, deve o juiz aferir a suficiência das provas e indícios (...) O julgamento com base na dúvida não interessa à sociedade, que exige certeza fundamentada em todas as decisões judiciais (Constituição Federal, artigo 93, inciso IX).

Além disso, o princípio in dubio pro societate viola flagrantemente os princípios da presunção da inocência e da motivação das decisões judiciais, insculpidos nos art. 5º, LVII e 93, IX da Constituição Federal de 1.988.
Ainda discorrendo sobre a inaplicabilidade de in dúbio pro societate, Paulo Rangel:

Entendemos, que, se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera é o da íntima convicção. O próprio processo judicial instaurado por si só, já é um gravame social para o acusado, que, agora, tem a dúvida a seu favor e, se houve dúvida quando se ofereceu a denúncia, o que por si so não poderá autorizá-la, não podemos perpetuar essa dúvida e querer dissipá-la em plenário, sob pena dessa dúvida autorizar uma condenação pelos jurados.

Parece ser mais acertada a corrente doutrinária que veda a aplicação do princípio in dúbio pro societate na sentença da pronúncia, pois havendo dúvida, deve-se interpretar a favor do réu, para fazer valer o princípio da presunção de inocência. Isto é, submeter um provável inocente ao Tribunal do Júri é possibilitar uma provável e injusta condenação.
Nesse sentido é ensinamento de João Carvalho de Matos, que ao citar Carrara assevera:

“Tudo aquilo que oferece duas conclusões lógicas não permite ao juiz criminal admitir a contrária ao réu, porque a condenação é fruto de do prova induvidosa, já que o Estado não tem maior interesse na verificação da culpabilidade do que na verificação da inocência”

O que ocorre é que o Tribunal do Júri é extremante maleável e tendencioso e o fato de sua composição ser composta por juízes leigos possibilita a existência de julgamentos controversos. Logo, ao se permitir um réu ser julgado por seu pares, quando devia ser impronunciado, é possibilitar a ocorrência de uma condenação injusta. Exemplo disso é quando a mídia cobre o crime, manipulando a opinião pública a fim de obter uma condenação e  realizar uma verdadeira situação de “pão e circo”. Se houver influência da mídia e o réu for pronunciado a sua condenação será certa.  Nesse sentido foi  pressão midiática no júri Márcio Thomaz Bastos cita o exemplo do caso Daniela, atriz da rede globo, assassinada por seu namorado, no qual a pressão da imprensa fez uma operação de linchamento dos réus, eivando o procedimento e negando-os de ver sua culpabilidade estabelecida pelos jurados, com base na prova e de acordo com a justiça e os ditames da consciência de cada julgador.
Portanto, para salvaguardar a presunção de inocência e a justiça nos julgamentos, deve-se afastar a aplicabilidade do princípio in dúbio pro societate na sentença de pronúncia.

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