INTRODUÇÃO
A
promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inaugurou
a era dos direitos dos cidadãos. Após um período ditatorial tentou-se garantir
a maior gama de direitos possíveis às pessoas. Nesse viés, a ampla defesa se
materializou como garantia contra o ius puniende estatal. Incito a este
princípio encontra-se o duplo grau de jurisdição, o qual é objeto deste
trabalho.
Por se
tratar de garantia que compõem a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição é
garantia inerente a todos os que se encontram em uma demanda processual e sua
supressão viola não só as garantias constitucionais, mas também as disposições
internacionais sobre direitos humanos constantes no Pacto São José da Costa.
Desse modo,
urge discutir tal garantia frente ao conflito existente entre a norma
constitucional e a norma internacional, onde colidiriam o duplo grau de
jurisdição e o foro por prerrogativa de função.
CONFLITO ENTRE A CONSTITUIÇÃO E A CONVENÇÃO INTERAMERICANA
SOBRE DIREITOS HUMANOS
Primeiramente,
deve-se compreender que o duplo grau de jurisdição não encontra-se explícito na
Carta Magna. Porém, o seu reconhecimento constitucional deriva da exegese do
conceito da ampla defesa, bem como do devido processo legal, ambos
constituidores de um ordenamento jurídico constitucional.
Parte da doutrina
compreende que o referido, apesar de estar somente implícito na Constituição
Federal Brasileira, é princípio constitucional autônomo advindo do Diploma
Constitucional, existindo por si só dentro de uma estrutura jurisdicional
superior. Já para alguns juristas, a garantia ao duplo grau é extraída do
princípio constitucional da igualdade, devendo aquela ser assegurada à todas as
pessoas que encontram-se no pólo passivo de uma demanda processual. Ainda há uma
terceira posição que entende o princípio com a função de reexaminar,
necessariamente, os atos estatais, configurando uma forma de controle da
legalidade e até mesmo de Justiça nas decisões do Poder Público.
Há na
Constituição Federal disposição de que aqueles que gozam de prerrogativa de
função são julgados originariamente perante o Supremo Tribunal Federal não
possuindo, portanto, direito ao duplo grau, já que este se esgota, por
tratar-se de Órgão Jurisdicional Máximo do país. Exemplo disso é que cabe ao
STF julgar o Presidente da República que cometer infrações penais comuns, de
acordo com o artigo 102, I, “B” da Constituição Federal. Isso se dá para
garantir um julgamento mais preciso e justo, pois não seria razoável pessoas
que possuíssem funções elevadas serem julgadas por Juízes de 1º Instância, vez
que estes poderiam sentir-se coagidos pela função exercida pelo cidadão. Dessa
forma, o julgamento por Tribunal Colegiado e mais experiente é a maneira mais correta
de julgar aqueles do alto escalão do país.
O Brasil,
porém, tornou-se signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao
ratificá-la no ano de 1992, reconhecendo assim suas disposições. Depreende-se
que citada Convenção, traz em seu artigo 8, §2º, “h”, a garantia do duplo grau
de jurisdição ao assegurar que a todos será permitido recorrer a Juiz ou
Tribunal Superior.
Dessa forma,
observa-se o conflito de normas existentes entre a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e o Texto Constitucional, ao passo que a Convenção traz
expressamente a garantia de recorrer enquanto a Constituição se porta de
maneira silente, tendo inclusive, disposto casos em que tal garantia não se faz
presente, como aqueles julgados originariamente perante o STF.
Antes de
explicar o conflito há que se ter em mente que princípios são mandados de
otimização em que se preceitua a realização de um fazer na maior medida
possível. São a base de um ordenamento jurídico e a partir deles que se
constrói o direito. Nesse sentido, a restrição ao princípio do duplo grau de
jurisdição no foro por prerrogativa de função deve ser entendida como uma
mitigação constitucional ao aludido princípio.
Deve-se
compreender o foro por prerrogativa de função como princípio constitucional,
tendente a salvaguardar o cargo político de situações não razoáveis, como a
influência do acusado nos Juízes de Primeiro Grau e evitar sua exposição. Dessa
forma, aqueles que possuem tal prerrogativa não têm outra opção senão serem
julgadas perante os tribunais superiores, conforme a Constituição e o Código de
Processo Penal dispõe. Neste ponto, a regra de que o foro de prerrogativa de
função não enseja duplo grau visa proteger estes interesses.
A
problemática surge do fato de o Brasil ser signatário da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos e suas normas explicitamente garantirem o
duplo grau de jurisdição a todas as pessoas, inclusive aquelas detentores de
foro por prerrogativa de função.
O
posicionamento de alguns doutrinadores, como Ada Pellegrini Grinover, é que as
disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos encontram-se no mesmo
nível das regras constitucionais, por força do artigo 5º, §2º, CF, sendo que a
garantia do duplo grau de jurisdição decorre do próprio sistema constitucional.
O STF, por sua vez, entende que o disposto na Convenção Americana sobre
Direitos possui natureza supralegal, estando subordinada às previsões
constitucionais. E no que tange o duplo grau de jurisdição nos processos de
competência originária do STF, entendem que não é possível e aplicado,
confrontando assim com o texto da Convenção Americana. Nessa esteira, o ilustre
professor Luiz Flávio Gomes (2013) se pronuncia:
Ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito
à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento
contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a
esse ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no
art. 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).
Nesse ínterim,
Ada Pellegrini Grinover sugere que as garantias constitucionais e às que se
encontram estabelecidas na Convenção America sobre Direitos Humanos interagem e
se complementam. Caso uma seja mais ampla e benéfica que a outra, prevalecerá
aquela que melhor salvaguardar os direitos fundamentais.
Lado outro,
entende o STF que não existe duplo grau de jurisdição para aqueles julgados
originariamente perante aquele Tribunal, vez que ao serem julgados pelo
Tribunal Máximo do país configura como privilégio. Isso se dá pelo fato do STF
ser um Tribunal Colegiado e composto por julgadores mais experientes, sendo
assim menos suscetível a erros em suas decisões. Nota-se que referido
posicionamento adotado pelo STF baseia-se no Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, porém o Brasil ao se tornar signatário da Convenção Interamericana
sobre Direitos Humanos tem o dever de organizar o ordenamento jurídico interno
em consonância com esta e não com o modelo Europeu, como o STF está fazendo.
Dessa forma,
as decisões que denegam o direito ao duplo grau de Jurisdição para aqueles que
possuem foro por prerrogativa de função, bem como para aqueles que são julgados
perante o STF em decorrência de atração por conexão e continência, possibilitam
a condenação do país à Corte Interamericana de Direitos Humanos pela violação
aos ditames das disposições da Convenção Interamericana, e consequentemente às
garantias fundamentais inerentes a todos os cidadãos e da ampla defesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depreende-se
que o posicionamento atual do STF quanto à aplicação do duplo grau de
jurisdição nos processos de competência originária não se encontra em harmonia
com o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, pois para o órgão
máximo jurisdicional pátrio tais indivíduos não contemplam da mencionada
garantia. Insurge daí, a grande discussão entre os juristas do país: o fato do
Brasil ser signatário da Convenção obriga que a todos os acusados, sem
reservas, seja concedido o direito de recorrer a um Órgão Superior?
Fato é que
tal problemática está longe de ser solucionada, pois a cada dia que passa novos
pensamentos quanto à matéria nascem. Há aqueles que se postam ao lado do STF,
acreditando veementemente que ser julgado por um Tribunal mais experiente já se
configura como grande vantagem, não tendo que se falar em duplo grau. Enquanto
que outros creem que o fato do Brasil ser signatário da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos faz com que exista uma espécie de vínculo, fazendo com
que o ordenamento jurídico fique atrelado às disposições da Convenção.
Por fim, o
posicionamento do STF é bastante controverso, vindo a colidir com o Pacto São
José da Costa, e inclusive, violar o direito fundamental da ampla defesa. Portanto,
se a constituição se fundamenta na dignidade da pessoa humana, a aplicação do
instituto da ampla defesa em todos os casos, se mostra como interpretação mais
coerente com o Codex Constitucional e perfaz medida estruturadora do
ordenamento político brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acesso em: 08 de set. de 2013.
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