segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Duplo Grau de Jurisdição nos processos de competência originária do STF

INTRODUÇÃO

            A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inaugurou a era dos direitos dos cidadãos. Após um período ditatorial tentou-se garantir a maior gama de direitos possíveis às pessoas. Nesse viés, a ampla defesa se materializou como garantia contra o ius puniende estatal. Incito a este princípio encontra-se o duplo grau de jurisdição, o qual é objeto deste trabalho.
            Por se tratar de garantia que compõem a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição é garantia inerente a todos os que se encontram em uma demanda processual e sua supressão viola não só as garantias constitucionais, mas também as disposições internacionais sobre direitos humanos constantes no Pacto São José da Costa.
            Desse modo, urge discutir tal garantia frente ao conflito existente entre a norma constitucional e a norma internacional, onde colidiriam o duplo grau de jurisdição e o foro por prerrogativa de função.

CONFLITO ENTRE A CONSTITUIÇÃO E A CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS

            Primeiramente, deve-se compreender que o duplo grau de jurisdição não encontra-se explícito na Carta Magna. Porém, o seu reconhecimento constitucional deriva da exegese do conceito da ampla defesa, bem como do devido processo legal, ambos constituidores de um ordenamento jurídico constitucional.
            Parte da doutrina compreende que o referido, apesar de estar somente implícito na Constituição Federal Brasileira, é princípio constitucional autônomo advindo do Diploma Constitucional, existindo por si só dentro de uma estrutura jurisdicional superior. Já para alguns juristas, a garantia ao duplo grau é extraída do princípio constitucional da igualdade, devendo aquela ser assegurada à todas as pessoas que encontram-se no pólo passivo de uma demanda processual. Ainda há uma terceira posição que entende o princípio com a função de reexaminar, necessariamente, os atos estatais, configurando uma forma de controle da legalidade e até mesmo de Justiça nas decisões do Poder Público.
            Há na Constituição Federal disposição de que aqueles que gozam de prerrogativa de função são julgados originariamente perante o Supremo Tribunal Federal não possuindo, portanto, direito ao duplo grau, já que este se esgota, por tratar-se de Órgão Jurisdicional Máximo do país. Exemplo disso é que cabe ao STF julgar o Presidente da República que cometer infrações penais comuns, de acordo com o artigo 102, I, “B” da Constituição Federal. Isso se dá para garantir um julgamento mais preciso e justo, pois não seria razoável pessoas que possuíssem funções elevadas serem julgadas por Juízes de 1º Instância, vez que estes poderiam sentir-se coagidos pela função exercida pelo cidadão. Dessa forma, o julgamento por Tribunal Colegiado e mais experiente é a maneira mais correta de julgar aqueles do alto escalão do país.
            O Brasil, porém, tornou-se signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao ratificá-la no ano de 1992, reconhecendo assim suas disposições. Depreende-se que citada Convenção, traz em seu artigo 8, §2º, “h”, a garantia do duplo grau de jurisdição ao assegurar que a todos será permitido recorrer a Juiz ou Tribunal Superior.
            Dessa forma, observa-se o conflito de normas existentes entre a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Texto Constitucional, ao passo que a Convenção traz expressamente a garantia de recorrer enquanto a Constituição se porta de maneira silente, tendo inclusive, disposto casos em que tal garantia não se faz presente, como aqueles julgados originariamente perante o STF.
            Antes de explicar o conflito há que se ter em mente que princípios são mandados de otimização em que se preceitua a realização de um fazer na maior medida possível. São a base de um ordenamento jurídico e a partir deles que se constrói o direito. Nesse sentido, a restrição ao princípio do duplo grau de jurisdição no foro por prerrogativa de função deve ser entendida como uma mitigação constitucional ao aludido princípio.
            Deve-se compreender o foro por prerrogativa de função como princípio constitucional, tendente a salvaguardar o cargo político de situações não razoáveis, como a influência do acusado nos Juízes de Primeiro Grau e evitar sua exposição. Dessa forma, aqueles que possuem tal prerrogativa não têm outra opção senão serem julgadas perante os tribunais superiores, conforme a Constituição e o Código de Processo Penal dispõe. Neste ponto, a regra de que o foro de prerrogativa de função não enseja duplo grau visa proteger estes interesses.
            A problemática surge do fato de o Brasil ser signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e suas normas explicitamente garantirem o duplo grau de jurisdição a todas as pessoas, inclusive aquelas detentores de foro por prerrogativa de função.
            O posicionamento de alguns doutrinadores, como Ada Pellegrini Grinover, é que as disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos encontram-se no mesmo nível das regras constitucionais, por força do artigo 5º, §2º, CF, sendo que a garantia do duplo grau de jurisdição decorre do próprio sistema constitucional. O STF, por sua vez, entende que o disposto na Convenção Americana sobre Direitos possui natureza supralegal, estando subordinada às previsões constitucionais. E no que tange o duplo grau de jurisdição nos processos de competência originária do STF, entendem que não é possível e aplicado, confrontando assim com o texto da Convenção Americana. Nessa esteira, o ilustre professor Luiz Flávio Gomes (2013) se pronuncia:

Ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no art. 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).

            Nesse ínterim, Ada Pellegrini Grinover sugere que as garantias constitucionais e às que se encontram estabelecidas na Convenção America sobre Direitos Humanos interagem e se complementam. Caso uma seja mais ampla e benéfica que a outra, prevalecerá aquela que melhor salvaguardar os direitos fundamentais.
            Lado outro, entende o STF que não existe duplo grau de jurisdição para aqueles julgados originariamente perante aquele Tribunal, vez que ao serem julgados pelo Tribunal Máximo do país configura como privilégio. Isso se dá pelo fato do STF ser um Tribunal Colegiado e composto por julgadores mais experientes, sendo assim menos suscetível a erros em suas decisões. Nota-se que referido posicionamento adotado pelo STF baseia-se no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, porém o Brasil ao se tornar signatário da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos tem o dever de organizar o ordenamento jurídico interno em consonância com esta e não com o modelo Europeu, como o STF está fazendo.
            Dessa forma, as decisões que denegam o direito ao duplo grau de Jurisdição para aqueles que possuem foro por prerrogativa de função, bem como para aqueles que são julgados perante o STF em decorrência de atração por conexão e continência, possibilitam a condenação do país à Corte Interamericana de Direitos Humanos pela violação aos ditames das disposições da Convenção Interamericana, e consequentemente às garantias fundamentais inerentes a todos os cidadãos e da ampla defesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Depreende-se que o posicionamento atual do STF quanto à aplicação do duplo grau de jurisdição nos processos de competência originária não se encontra em harmonia com o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, pois para o órgão máximo jurisdicional pátrio tais indivíduos não contemplam da mencionada garantia. Insurge daí, a grande discussão entre os juristas do país: o fato do Brasil ser signatário da Convenção obriga que a todos os acusados, sem reservas, seja concedido o direito de recorrer a um Órgão Superior?
            Fato é que tal problemática está longe de ser solucionada, pois a cada dia que passa novos pensamentos quanto à matéria nascem. Há aqueles que se postam ao lado do STF, acreditando veementemente que ser julgado por um Tribunal mais experiente já se configura como grande vantagem, não tendo que se falar em duplo grau. Enquanto que outros creem que o fato do Brasil ser signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos faz com que exista uma espécie de vínculo, fazendo com que o ordenamento jurídico fique atrelado às disposições da Convenção.
            Por fim, o posicionamento do STF é bastante controverso, vindo a colidir com o Pacto São José da Costa, e inclusive, violar o direito fundamental da ampla defesa. Portanto, se a constituição se fundamenta na dignidade da pessoa humana, a aplicação do instituto da ampla defesa em todos os casos, se mostra como interpretação mais coerente com o Codex Constitucional e perfaz medida estruturadora do ordenamento político brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed.rev.atual. e ampli. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

- GRINOVER, Ada Pellegrini. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. FERNANDES, Antônio Scarance Recursos no processo penal. 6.ed. ver .atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

 - LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. Ed. Ver. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2011.

- MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2013.

- Mensalão: julgamento no STF pode não valer. Disponível em: <http://www.institutoavantebrasil.com.br>/artigos-do-prof-lfg/mensalao-julgamento-do-stf-pode-nao-valer/>.  Acesso em: 05 de set. de 2013.

- Duplo Grau de Jurisdição e a Imparcialidade do Julgador. Disponível em <http://www.atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/09/26/duplo-grau-de-jurisdição-e-imparcialidade-do-julgador>.  Acesso em: 08 de set. de 2013.


- Possibilidade de Condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de DH. Disponível em: <http://www.atualidadesdodireito.com.br/ valeriomazzuoli/2013/07/26/possibilidade-de-condenacao-do-brasil-perante-a-corte-interamericana-de-dh/>.  Acesso em: 08 de set. de 2013.

0 comentários:

Postar um comentário